quinta-feira, novembro 19, 2009



“Existem duas maneiras de vivermos a nossa vida: uma é pensarmos que não existem
milagres, outra é pensarmos que tudo é fruto de um milagre!”
(Albert Einstein, que foi prematuro)

Sempre desejámos ser Pais e foi com grande alegria que, no dia 18 de Fevereiro de 2009, soubemos que íamos ser Pais de uma menina, a Maria Leonor. Podemos dizer que o (pouco) período de gravidez foi vivido com grande emoção e ansiedade de conhecermos a nossa pequenina.
Até ao dia 16 de Março, nada faria prever que o nascimento da nossa filha estaria para breve e, muito menos sonhávamos, que ele viesse a fazer parte das estatísticas que pautam sobre o nascimento dos grandes prematuros que nascem com extremo baixo peso. Na madrugada do dia 16 de Março, a Maria Leonor deu os primeiros sinais de que queria nascer (muito tempo antes!). Dirigimo-nos à CUF, hospital onde era seguida nas consultas de obstetrícia, mas ao depararem-se com o inevitável nascimento prematuro da nossa bebé, decidiram transferir-nos para o Hospital de Santa Maria.
Posso dizer que fui acompanhada por uma equipa fantástica que, desde o primeiro minuto, me transmitiu muita segurança, o que permitiu que me mantivesse calma. A data do parto estava prevista para o dia 26 de Junho de 2009 mas, no dia 16 de Março às 22h10, com apenas 25 semanas, nasceu a Maria Leonor com 822 grs e 32 cm.

Após o nascimento, todos os pais esperam poder levar o seu filho para casa e, com um nascimento tão prematuro, vemo-nos confrontados com uma realidade inimaginável, completamente desconhecida, o internamento prolongado de um bebé, e todos os cuidados a ele inerentes, sem que para isso estivéssemos minimamente preparados.

A primeira visita à Unidade de Cuidados Intensivos é, sem dúvida vivida com um misto de sensações: medo, frustração e angústia. Encontrámos a nossa pequena Leonor numa incubadora, alimentada por uma sonda,  monitorizada a aparelhos totalmente desconhecidos e que emitiam insistentemente sons que nos alarmavam, pois nem de longe os conseguíamos decifrar.

O bebé com que sempre sonhámos estava ali, à nossa frente, absolutamente dependente de máquinas, de pessoas especializadas, e de nós, para poder sobreviver. Mentiria se dissesse que a Leonor era o bebé que imaginava mas gostei dela no primeiro minuto. Apesar do seu aspecto frágil e indefeso, o seu pequeno corpo era desproporcional à força com que abraçou o mundo, o que mais tarde se revelou fundamental para a sua boa recuperação.

Aquele mundo era completamente diferente do nosso. Bebés que lutavam pela vida, conquistando cada minuto que passava com uma força cada vez maior, deixando para trás os obstáculos que se opunham à sua recuperação.

Ao olhar para a Maria Leonor pela primeira vez, não chorei! Aliás, ao vê-la ali, entubada, disse para mim mesma: Deus quis assim! Quis que ela nascesse. Ela nasceu e não desistiu, logo, se ela não o fez, porque seríamos nós a fazê-lo. Ninguém mais do que ela, que vivia aquela cena como personagem principal, estaria a sofrer mais, logo, se ela sofria no corpo as consequências da sua prematuridade, quem era eu para me queixar? Se a Leonor lutava, quem éramos nós para desistirmos. Só teríamos de lutar com ela e, assim foi desde o primeiro minuto.
Os dias, as horas, os minutos e por vezes os segundo que se seguiram não foram fáceis. Tudo era uma incógnita. Quando questionávamos sobre o seu estado, tentavam sossegar-nos mas sem nos transportarem para um mundo ilusório. Sempre foram muito realistas dizendo-nos que teríamos de viver um dia de cada vez, mas posso dizer que não era um dia, mas sim uma hora, um minuto e até mesmo um segundo de cada vez. A Maria Leonor baixou de peso até aos 524 grs, e só voltou a recuperar o peso com que nasceu quando completou um mês de vida.
O facto da nossa bebé ser considerada uma grande prematura com extremo baixo peso à nascença, trouxe-lhe as normais complicações inerentes à sua condição (hemorragia intraventricular, transfusões, retinopatia da prematuridade e problemas cardíacos), mas revelou ser uma bebé com muita força e mostrou a todos nós que venceu uma luta e recuperou sem complicações de força maior.

Desde o primeiro dia, sempre nos disseram que a nossa presença e principalmente o nosso contacto físico eram muito importantes. Era fundamental que sentisse que era amada, que sentisse a presença dos pais, e que sentisse que eles lutavam por ela. Que lutavam com ela.
Posso confessar que inicialmente não foi o facto de me incutirem esta responsabilidade que me aproximou mais da minha bebé, mas sim o facto de a amar muito e de acreditar nela. Mas, com o passar dos dias, pude perceber o quão importante era a nossa presença, o nosso contacto físico, a nossa voz, e a nossa energia positiva para a sua rápida recuperação, e a dada altura, já sem qualquer apoio para respirar apenas esperava aumentar de peso para que pudesse vir para casa.

No período em que a Leonor esteve internada, conheci pessoas extraordinárias, com histórias de vida tão diferentes da minha mas que a própria vida se encarregou de as cruzar no meu caminho, no mesmo espaço, na mesma altura, numa condição semelhante.
Posso dizer que se vincaram laços de amizade que perduram e vão perdurar e que se revelaram tão (ou mais) fortes que aqueles que nos acompanham desde a infância.
Cada minuto que passava, apesar da minha bebé estar bem, se outro bebé não estava, nós partilhávamos das mesmas tristezas, dos mesmos receios e das mesmas angústias. E lá estávamos para dar força às suas famílias e, por sua vez, aos bebés.
Também a reunião mensal com os pais de bebés internados, ajudava a partilharmos a nossa histórias e tudo o que nos assustava, bem como a colocarmos questões sobre procedimentos internos e até mesmo tratamentos e desenvolvimento dos nossos bebés. Contribuíam para nos aproximarmos um pouco mais uns dos outros e apoiarmo-nos mutuamente.

O cenário de uma Unidade de Cuidados Intensivos de Recém-Nascidos não é de todo o mais agradável, a quantidade de fios, sondas, monitores e alarmes é impressionante mas, com toda a dedicação, carinho e profissionalismo que os médicos, enfermeiras e auxiliares cuidam dos bebés, é deveras reconfortante, pois sabemos que não poderiam estar em melhores mãos.
Com esta experiência de 86 dias, podemos perceber a grandeza de cada minuto da vida, ou até mesmo de cada segundo, para aqueles que apesar de tão pequeninos lutam com uma força para abraçar o mundo que os pôs à prova logo à nascença.
Agradecemos de forma muito especial a todo o pessoal da Neonatologia do Hospital de Santa Maria, pois para se trabalhar num sítio destes tem de se ter um dom muito especial. Para além de cuidarem dos bebés, também cuidam dos seus pais, dos seus receios, das suas angústias e das suas ansiedades. Desde o primeiro minuto sempre acreditaram e nunca desistiram da nossa filha.
Os médicos e as enfermeiras que conheci são de uma dedicação extrema e, apesar de acabarmos por nos aproximarmos mais de umas dos que de outras, é inevitável testemunhar o amor, o carinho, a dedicação e o profissionalismo com que todas assistiam cada bebé.

Agradecemos também às também às auxiliares que tinham sempre alguma coisa para nos dizer e muitas das vezes nos fizeram rir em momentos muito difíceis.
Obrigada também a ti Maria Leonor, por teres nascido, por teres lutado, por nunca teres desistido, por teres sido tão forte e, principalmente por fazeres de nós uns pais prematuros tão felizes e orgulhosos de ti. Estás cá de pequeno corpo mas de grande alma.

Maria Leonor, uma pequena grande mulher.