domingo, outubro 29, 2006

Uma Questão de Amor...

Sou a mãe da Filipa, do Martim e do Miguel.
Nasceram no dia 07 de Junho de 2004. Sou, por isso, uma mulher privilegiada e muito feliz. Durante a gravidez, com excepção da minha mãe e de uma conhecida de Setúbal, quando dizia estar à espera de três bebés, invariavelmente, ouvia "coitada". Nunca compreendi a razão de ser deste comentário. Afinal, em geral, tratavam-se de mães, algumas até com mais do que um filho. Depois do seu nascimento, este comentário foi substituído pelo "é uma felicidade mas deve dar muito trabalho". O tempo encarregou-se de tirar a razão a estes comentários.
A Filipa, o Martim e o Miguel nasceram com 30 semanas, com pouco mais de 1 kg cada um e permaneceram na Unidade de Cuidados Especiais do Hospital de Santa Maria durante 40 dias. Aí aprendi, com a preciosa ajuda de todos quantos ali trabalham, a cuidar deles. Já em casa, ficaram exclusivamente a meu cargo, do pai e da pediatra.
Hoje, decorridos mais de 2 anos sobre o seu nascimento, continuo sem compreender a razão de ser do "coitada" e do "dão muito trabalho". Há milhares de mulheres que tentam durante anos ter filhos e não o conseguem. Tê-los é um privilégio que não se iguala a outro na vida de qualquer ser humano.
Quando soube que ia ter 3 filhos de uma única vez (e mais fossem) apoderou-se de mim uma felicidade que alterou para sempre o modo como perspectivo a vida. O omnipresente "eu" deu lugar ao "nós" sem que sentisse a minha liberdade individual ameaçada. Não deixei de trabalhar, de ir de férias, a casa de amigos e familiares, etc.
Quanto ao suposto "muito trabalho", na acepção dos que acham que assim é, julgo que falam das muitas noites sem dormir mais do que 30 minutos seguidos, das idas à urgência do Pediátrico do Santa Maria e de Coimbra (alguns acabaram em internamentos), dos banhos, das refeições, do cuidado das roupas, etc., etc. Com o respeito que me merece quem pensa assim (e convenhamos, é a maioria) todos os cuidados que tenho prestado aos meus filhos, em especial nos momentos mais difíceis, concretizam o amor que sinto por eles. Convenhamos, no que é que se concretiza o amor pelos nossos filhos? Tenho-me confrontado com a contradição dos pais que afirmam o seu amor incondicional pelos filhos e, logo a seguir, se queixam das noites perdidas, das fraldas sujas, das birras quando são maiores, isto já para não falar da limitação que sentem à sua liberdade de movimentos, etc., etc.
Cuidar dos meus filhos nunca foi (nem será) um dever ou uma maçada. Pelo contrário. Observá-los a cada momento, colocar-me no pensar e sentir deles e agir de modo a que a nossa comunicação se estabeleça, é algo de muito estimulante e vai durar a vida toda. Tive sempre para mim que se trata de uma atitude mental. Faz toda a diferença. Nunca cheguei a casa e pensei "tenho 3 banhos para dar", "3 crianças a chorar e a fazer birras", etc., sempre os tratei na sua individualidade. Acho que não há mães de gémeos, trigémeos e mais... há mães, pais... ponto final... de 1, 2, 3... 7 ou 10. Por exemplo, quanto mais cansada chego a casa maior disponibilidade mental tenho para os meus filhos. Impossível? De todo. A Filipa, o Martim e o Miguel atropelam-se para me vir abraçar quando lhes apareço no infantário e os seus olhinhos nos meus têm um efeito mágico. Deixo de sentir o cansaço físico. Dedico-me a dar-lhes banho, a fazer e dar-lhes o jantar e finalmente, antes de dormir, a brincar com eles. Nesses dias, em especial, dão-me mais eles a mim do que eu a eles... a sua existência substitui qualquer forma de terapia para o stress ou ansiedade. Modestamente, fui sempre uma mãe tranquila que, a cada momento, tentou fazer o seu melhor. Acho que, regra geral, todas as mães o tentam. Fazem-no muitas vezes é de forma ansiosa quando, se fizessem um esforço para se lembrarem de como pensavam e sentiam quando eram crianças, entenderiam que não há fase da vida entre pais e filhos mais intensa do que aquela que se sucede ao nascimento e durante os primeiros anos de vida.
É um facto que, no modo tranquilo como me tenho relacionado com os meus filhos, tem sido fundamental a ajuda do papá, presença de todas as horas e da Drª Joana, a pediatra, cuja disponibilidade e calma transmitidas a cada telefonema ou visita ao consultório justificam a minha gratidão para sempre. Para mim, decorridos mais de 2 anos sobre o nascimento da Filipa, do Martim e do Miguel, não há confusão possível. Trabalho tenho no exercício da minha profissão e na lida de casa... os meus filhos nunca me deram trabalho.
Uma última nota para dizer que tenho como verdadeiros heróis na minha vida os pais de filhos deficientes (às vezes muito profundos) ou com doenças malignas. Os meus filhos e as crianças em geral crescem, ganham asas e voam... esses outros seres, cujo sofrimento devia ser proibido, suportam o sofrimento físico e psicológico que, a existir, devia estar reservado para nós, os pais. Mesmo nas situações mais difíceis por que passaram os meus filhos nunca deixei de pensar nos muitos pais, cujos dias são preenchidos a acompanhar o sofrimento dos filhos, perdidos em hospitais e salas de espera e tratamento... pior que tudo, às vezes sem esperança. O que são, pois, noites sem dormir, banhos, birras, etc. senão um privilégio dos pais, que como eu, têm filhos saudáveis.
Lurdes Silva.

quinta-feira, outubro 05, 2006

1ª Corrida Sempre Mulher

Continuando na saga desportiva, uma semana depois da Mini-Maratona Vasco da Gama, e já recuperadas dos longos 8 Km a que sujeitamos as nossas pernas, um grupo da Neonatologia (pequeno em número mas grande em vontade) participou na Corrida Sempre Mulher, e colaborou na angariação de fundos para a Associação Portuguesa de Apoio à Mulher com Cancro da Mama, mostrando assim a sua solidariedade e boa forma física.

O Parque das Nações foi o local escolhido para esta actividade desportiva, sem carácter competitivo. O percurso variou entre 1 e os 4 kms e podia ser feito a correr ou a andar. Partida e chegada situaram-se junto ao Pavilhão de Portugal.

Antes do início da prova, houve um prévio aquecimento (e que aquecimento!), com aula colectiva de aeróbica. Esta aula foi puro divertimento e risota permanente: precisamos de treinar um pouco mais as coreografias, mas portámo-nos mesmo assim, muito bem! De seguida, foi começar a correr, ou a caminhar de modo a concluir as 3 voltas do circuito.

Algumas “baldaram-se” mais cedo para casa, com a “desculpa” de ir trabalhar. Estão perdoadas! No final da prova, houve uma aula de Tai-Chi para relaxar mas nós, aproveitamos mais para conviver.

Foi uma bela forma de começar o dia!

De salientar, o apreço pela presença da Leonilde e da Fátima Miguel, que mostraram a excelente forma física e a sua permanente juventude.

Estamos todos de parabéns: os que participaram activamente em mais esta corrida e os que ficaram a trabalhar na UCERN.

Cidália

quarta-feira, outubro 04, 2006

Ser enfermeiro numa Unidade de Neonatologia

Estava a ler os comentários do blog e lembrei-me que tinha escrito em tempos, um pequeno artigo sobre o papel dos enfermeiros nas Unidades de Neonatologia. Quero partilhá-lo convosco mas desejo também que partilhem connosco, as vossas vivências nestas Unidades. É um desafio que lanço, como preparação para a próxima Mini-Maratona (ou Meia Maratona!).

São pequenos, por vezes, muito pequenos: são os bebés prematuros. Nasceram “antes de tempo” (alguns às 23-24 semanas) e por isso, um longo caminho têm que percorrer, desde que entram na Unidade de Neonatologia até ao dia da sua alta.
Caminho longo, cheio de “atalhos” e de incertezas, que fazem deste percurso, um percurso sempre cheio de surpresas, nem sempre desejadas, nem sempre com um final feliz!
Frágeis e indefesos, dependentes da tecnologia que lhes permite sobreviver, mesmo assim, necessitam de todo o calor humano que cada gesto transmite. E cuidar deles, mais do que uma função, é antes de tudo um desafio às capacidades humanas que cada profissional coloca no seu cuidado e ao trabalho de uma vasta equipa.
Os enfermeiros, que o acolhem na Unidade após o nascimento, tudo prepararam para o receber: a incubadora “quentinha”, os monitores para vigiarem as suas funções vitais, o ventilador e tanto mais…
Ele (o bebé) chega e o centro da nossa atenção e cuidado é aquele bebé, sempre diferente de qualquer outro, de muitos outros que por ali passaram, único nos sonhos e fantasias dos seus Pais! Os primeiros momentos são de grande tensão, pois nunca estamos completamente preparados para as situações e sabemos quão importantes são estes primeiros momentos, estes primeiros gestos!
Muitas vezes, são os pais os primeiros que têm contacto com o bebé, e chegam à Unidade, expectantes, angustiados e sedentos de informação sobre a situação do seu filho.
Habitualmente, um enfermeiro tem o primeiro contacto com o pai: explica-lhe sumariamente a situação do bebé, preparando-o também para o ambiente que o rodeia (os tubos, os fios, que ligam o bebé, os aparelhos que o rodeiam). Depois, acompanha-o até ao bebé. Apoia-o no primeiro “embate”. Dá-lhe tempo… ouve as suas dúvidas, os seus temores… responde com prudência (entre a realidade de uma situação grave e a esperança de que vai melhorar) e de uma forma calorosa. Se o pai desejar, leva uma fotografia do seu bebé
para que a mãe o possa ver, ainda antes de vir à Unidade.
Cada dia é um dia, e assim vão acontecendo muitos dias! Ali estamos diariamente, cuidando daquele bebé, tão frágil, sensibilizados para as suas necessidades e para os seus problemas. Todos, procuramos ainda minimizar o impacto do ambiente e dos cuidados que proporcionamos ao bebé: ainda que saibamos que os cuidados intensivos são fundamentais à sua sobrevivência, sabemos também que os custos para o seu desenvolvimento, são por vezes, elevados (o ruído, a luminosidade, a manipulação, os procedimentos dolorosos…). Tão importante como ajudar o bebé a sobreviver, é fundamental que o ajudemos a sobreviver sem sequelas ou
com sequelas mínimas. As expectativas dos Pais são essas!
Também a relação dos Pais com o seu bebé, é desde o primeiro momento incentivada, de acordo com os desejos dos Pais, pois importa compreender que para estes, esta é uma etapa das suas vidas, vivida muitas vezes, com sentimentos de culpa, de sonhos “falhados”, de impotência, de frustração, de medos e dificuldades… Nem sempre, é fácil aos Pais num primeiro momento, olhar para o seu bebé, tocá-lo e senti-lo como seu!
Estar disponível, saber ouvir, compreender os seus medos e dificuldades, a agressividade por vezes latente nas suas palavras e comportamentos, é também parte do desafio de cuidar destes pequenos bebés, pois estes não existem sem os seus Pais, nem cuidamos deles, sem cuidar também dos seus Pais, apoiando-os nos momentos difíceis e partilhando com eles as vitórias do dia-a-dia.
Ajudar os Pais a cuidar do seu bebé, procurando autonomizá-los e preparando-os para o levarem para casa, é um dos aspectos fundamentais que os enfermeiros e toda a Equipa privilegiam, atendendo a uma filosofia de cuidados centrada na família.
Para os Pais, confortar o seu bebé, pô-lo ao colo, mudar a sua fralda, dar-lhe o primeiro banho ou o biberão, são decerto grandes “etapas” para quem vive no dia-a-dia a incerteza do dia seguinte.
Depois quando vão para casa, outra etapa se abre, fundamental na consolidação de uma família que se autonomiza, mesmo que os “laços” perdurem ainda por alguns anos: os telefonemas para resolver algum problema ou dúvida, as consultas de Neonatologia, as visitas à Unidade, as fotografias que nos deixam e que ilustram as Histórias de cada um e o privilégio que tivemos em partilhá-las!

Graça Roldão / Abril de 2006